
Biografia - Maria da Purificação
CLARA DE ABREU RIBEIRO (1906 - 1958)
BIOGRAFIA SINTETIZADA
O principal documento em que a informação sobre a sua vida é tratada de uma forma metódica, diz respeito ao diário escrito por P. Gregório Verdonk, missionário da Congregação dos Sagrados Corações, que em meados de 1949 se torna o seu diretor espiritual, registando os principais acontecimentos na vida da sua penitente, bem como episódios que se cruzaram com a sua vida de sacerdote. O diário intitula-se A Vida duma Mãe Portuguesa nos Nossos Dias - Clara de Abreu Ribeiro (Maria da Purificação) e compreende um período de aproximadamente nove anos (1949 - 1958).
CONFESSORES:
P. Gregório conheceu Clara em finais de 1948. Até então, tivera como confessor e director espiritual P. Francisco Rodrigues da Cruz (1859-1948), popularmente conhecido por P. Cruz., costumando confessar-se com regularidade a este sacerdote1.
Por volta dos 17 anos, talvez notando um carisma especial na vida de Clara, P. Cruz recomendou-lhe que dessa altura em diante deveria confessar-se apenas junto dele. Durante este tempo, P. Cruz ter-lhe-á dado muitos conselhos e feito várias recomendações, especialmente no que se refere à conversão de Manuel Ribeiro, marido de Clara, por quem rezou durante quinze anos todas as noites. Conheceu algumas particularidades da sua vida que, mais tarde, P. Gregório teria a missão de acompanhar. Foi o próprio P. Cruz, no final da sua vida, a recomendar que Clara procurasse o P. Gregório Verdonk, que na altura já estava no Seminário dos Olivais. Esta última informação, contudo, não está suficientemente documentada.
VIDA FAMILIAR:
Clara Morato de Abreu Ribeiro nasceu em Sacavém no dia 12 de Outubro de 1906, tendo sido baptizada na Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Purificação a 23 de Dezembro do mesmo ano pelo P. Francisco Marques Dinis2, então prior da Paróquia de Sacavém. O seu pai, João Francisco de Abreu, que faleceu aos 46 anos de idade, foi caseiro durante vinte e um anos na Quinta da Francelha de Baixo, atualmente localizada na freguesia do Prior Velho, em Loures. Não terá sido um homem particularmente religioso, pelo contrário, de acordo com os registos levados a cabo pelo confessor de Clara, bem como pelos testemunhos de alguns familiares e amigos mais próximos. A mãe, por outro lado, chamada Luzia da Conceição Morato, rezava o terço todas as noites com os filhos e era assídua ao preceito dominical, evitando conflitos com uma eventual posição contrária de seu marido. Na verdade, o pai de Clara era um homem severo, tanto para a esposa como para os filhos. Contudo, e apesar de uma personalidade mais austera, João Francisco de Abreu, costumava convidar os mais necessitados para as refeições familiares. O casal teve quinze filhos - Duarte, Isaura, Gertrudes, Maria, Graciano, Dionísia, Henrique, Clara, Casimiro, João, Luzia (que morreu muito nova), Luzia (que recebeu o nome da anterior), Joana, Teodoro e José. Todos casaram, exceto Gertrudes, Graciano e Dionísia. A sua avó materna, Ana de Azambuja, era também uma cristã zelosa. Por altura da 1a República, época em que se verificaram inúmeros saques a igrejas e património religioso, principalmente entre 1910 e 1917, Ana de Azambuja terá guardado todas as imagens e alfaias religiosas da Igreja da Encarnação (Lisboa), evitando que as mesmas fossem saqueadas ou vandalizadas.
Clara casou no dia 1 de Janeiro de 1929 com Manuel de Carvalho Ribeiro. Viveu com a sua família em diversas localidades da área metropolitana de Lisboa e, mesmo já casada, habitou em vários locais, estabelecendo-se no ano de 1946 na então Quinta do Ferro. O casal teve quatro filhos, José, João, Hélio e Ana Maria, os dois primeiros faleceram com poucos meses de vida. Hélio Ribeiro, que casou ainda no tempo de vida da mãe, faleceu no ano de 1997. Ana Maria Ribeiro nasceu a 26 de Agosto de 1947 e, apesar de ter apenas 10 anos aquando do falecimento da mãe, conheceu de perto a sua vida de entrega e constante caridade para com todos.
Não tinha estudos mas era uma óptima educadora só pelo grande Amor que tinha a Deus e a todas as pessoas. Era muito alegre. E sobretudo tinha uma enorme paciência com todos.
VIDA DE CARIDADE:
Clara Ribeiro estava atenta às necessidades e às carências de todos, particularmente das crianças que viviam em famílias profundamente disfuncionais. Acolhia-as na sua própria casa, algumas durante muito tempo, garantido que os gestos de afeto e de amor para com aquelas crianças eram tão ou mais importantes que a resolução dos problemas materiais mais ou menos graves. A caridade e a disponibilidade de Clara para com os mais pobres, era sustida por uma vida de oração incessante e incansável. Num dos primeiros episódios de que há registo, Clara terá acolhido cinco crianças que ficavam fechadas em casa, uma vez que o pai era viúvo e tinha de ausentar-se durante o dia para o trabalho. Clara terá feito as crianças saírem de casa por meio de uma corda feita de lençóis. O pai de Clara comentou: “Lá vem a galinha choca com os pintainhos.”
Para além da recitação diária do terço, frequentava diariamente a missa no Seminário do Olivais. Costumava ir logo à primeira missa da manhã, ainda de madrugada, sozinha ou acompanhada pelas suas sobrinhas.
Clara Ribeiro, após a conversão do marido, pela qual rezou ininterruptamente durante quinze anos, como já mencionado, continuou a sua vida de jejum e oração, rezando todas as noites, durante horas, pela conversão dos pecadores e pela purificação dos sacerdotes3.
Em 1952 o P. Gregório Verdonk revelou que havia uma alma que rezava incessantemente por ele e pelo sucesso das suas missões, particularmente no que dizia respeito à conversão dos pecadores. Tal alma era Clara Ribeiro.
MORTE:
A saúde de Clara Ribeiro agravou-se no ano 1957. Poderia ter sido imediatamente submetida a uma intervenção cirúrgica para remover o tumor benigno que tinha no útero. Contudo, pelo facto de sofrer de diabetes, teve de cumprir um tratamento preparatório. Ao ficar mais debilitada, Clara foi acolhida em casa do Prof. Carlos Trincão (médico), onde recebia os cuidados da sua esposa, D. Ema Trincão, que era enfermeira e já cuidava pontualmente de Clara quando ela ainda estava na Quinta do Ferro. Entendeu-se que em casa do Prof. Carlos Tincão teria mais condições para fazer face à sua fragilidade. Esta altura também coincidiu com o lançamento dos primeiros fundamentos da Obra de Nossa Senhora da Purificação.
Na véspera da sua morte, dia 12 de Junho de 1958, o P. Armindo Duarte, prior da Igreja de Moscavide, visitou Clara em casa do Prof. Carlos Trincão. P. Armindo terá contado mais tarde que Clara, com um sorriso, lhe dissera: “Amanhã vou para o Céu.” Nessa mesma noite, Clara pediu para voltar para sua casa, na Quinta do Ferro. Apesar de P. Armindo ter relativizado estas palavras, a verdade é que no dia 13 de Junho de 1958 – Dia de Santo António (feriado municipal de Lisboa), dia de Nossa Senhora de Fátima e Festividade do Sagrado Coração de Jesus) – Clara Ribeiro faleceu. P. Gregório, que na altura estava a celebrar a Eucaristia na Quinta da Francelha, dirigiu-se para a Quinta do Ferro e, depois de ter rezado ao ouvido de Clara algumas orações jaculatórias, ela entregou a sua alma a Deus. As cerimónias fúnebres foram acompanhadas por um grande cortejo popular até ao cemitério de Sacavém, durante o qual foi recitado o terço por todos os presentes.
“Quem se humilha será exaltado.” Pobre e desconhecida em vida, rica e gloriosa foi a sua sepultura. No dia 14 de Junho, na parte da tarde, formou-se o cortejo fúnebre para o cemitério de Sacavém, que parecia uma saída triunfal. Além dos familiares e amigos, juntou-se imensa gente em volta do caixão. Parece que o próprio Céu se encarregou de chamar uma multidão para a acompanhar. Todos sentiam que esta morta não era vulgar, que iam acompanhar os restos mortais duma santa.
Vieram três padres ao funeral: Padre Gregório, Padre Armindo4, pároco de Moscavide, e Padre Oliveiros, pároco na igreja dos Mártires. O caminho para o cemitério em Sacavém mais direto era pela rotunda da Encarnação e a seguir pela estrada que vai ter ao cemitério. Mas, por disposição da Providência Divina, tiveram que dar a grande volta por Moscavide, pois o acesso da rotunda estava interrompido. O cortejo crescia na medida que iam avançando. Todos rezavam o terço em voz alta. Havia homens que vinham do lado oposto, pararam e incorporaram-se no funeral. Com as orações litúrgicas foi o seu corpo confiado à terra sagrada do sepulcro, onde espera o dia da sua gloriosa ressurreição. (VERDONK: 1949-1958; p. 164).
1 A irmã Lúcia de Fátima escreveu nas suas mémorias: “O bom Sacerdote [Padre Cruz], depois de me ter ouvido em confissão, disse-me estas breves palavras: - Minha filha, a sua alma é o templo do Espírito Santo. Guarde-a para sempre pura, para que Ele possa continuar nela a Sua acção divina. Ao ouvir estas palavras, senti-me penetrada de respeito pelo meu íintimo e perguntei ao bom confessor como devia fazer. - De joelhos, aí, aos pés de Nossa Senhora, peça-Lhe, com muita confiança, que tome conta do seu coração, que o prepare para receber amanhã dignamente o Seu querido Filho e que o guarde para Ele só.Como minhas irmãs arranjavam o altar de Nossa Senhora do Rosário, estava habituada a rezar diante dessa imagem e lá fui também dessa vez. Pedi-Lhe, pois, com todo o ardor de que fui capaz, que guardasse, para Deus só, o meu pobre coração. Ao repetir várias vezes esta humilde súplica, com os olhos fitos na imagem, pareceu-me que ela se sorria e que, com um olhar e gesto de bondade, me dizia que sim. Fiquei tão inundada de gozo que a custo conseguia articular palavra.” In Memórias da Irmã Lúcia, vol. I
Existe a Causa de Canonização do Padre Cruz https://pontosj.pt/causapadrecruz/ "A Comissão Histórica do processo de canonização do Padre Cruz, sacerdote jesuíta que nasceu no século XIX e morreu com fama de santo, apresentou a relação dos seus trabalhos ao Tribunal Eclesiástico da Causa no passado dia 1 de outubro [2019], no Patriarcado de Lisboa. Com a conclusão desta etapa da missão desta comissão de peritos – que traçou o contexto histórico da vida do Padre Cruz, fez um juízo sobre a sua personalidade e espiritualidade e atestou da autenticidade dos documentos encontrados – o processo de canonização do Servo de Deus P. Francisco Rodrigues da Cruz, iniciado em 1950, entra agora numa nova fase, estando mais perto de ser enviado para o Vaticano."
2 P. Francisco Marques Dinis foi colocado na paróquia de Sacavém no dia 21 de Agosto de 1906, tendo tomado posse a 16 de Setembro do mesmo ano. Este sacerdote terá feito parte da comissão fundadora da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição. Terá ficado na paróquia de Sacavém até 1911/12.
3 É de salientar aqui a semelhança desta oferta com a que foi dirigida aos videntes de Fátima em 1917: “Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele mesmo é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?”, in, Memórias da Irmã Lúcia, vol. I, p. 162.
4O Padre Armindo dos Santos Duarte, mais tarde, Cónego, foi ordenado presbítero em 1951 e faleceu a 15 de Janeiro de 2007. Exerceu funções paroquiais como coadjutor dos Olivais, vigário paroquial do Bairro da Encarnação e Moscavide, e Pároco sucessivamente de Moscavide, S.Eugénio, Santa Isabel e Campo Grande. Desempenhou simultaneamente outros cargos de responsabilidade a nível da pastoral diocesana.
in Mário Simas, "Maria da Purificação, Uma Vida Uma Obra". Edição: Fundação Obra de Nossa Senhora da Purificação. Fátima. c.1997.